““Quando estiverem boas condições para comunicar com EUA e Canadá é que vai ser. São loucos. Às vezes até fazem fila, como se fossem aviões para aterrar.” José Araújo e António Claro, locutor e informático, tentam explicar a paixão que este fim-de-semana levou radioamadores a ocupar 471 faróis e barcos faroleiros em todo o mundo, enquanto se desdobram em lições sobre frequências e propagação electromagnética. O mundo do radioamadorismo não é para leigos (ou para leigos sem aulas de física desde o 9.o ano), mas o entusiasmo contagia. Se o hobby vai somando anos despercebido, acaba de acusar alguma vitalidade: a participação portuguesa num dos maiores eventos da classe, o International Lighthouse and Lightship Weekend (IILW), bateu este ano o recorde. Houve rádios em onze faróis e geralmente não passam de meia dúzia.
Com arames e canas de pesca, o grupo de amigos radioamadores da zona do Porto montou uma antena no farol da Boa Nova, em Leça da Palmeira. Como ninguém ligava um rádio no farol desde 1995, era de esperar um tráfego acima da média. Pelas 18h somavam 80 emissões. Entre a maioria de europeus, à força das condições atmosféricas, havia dois mais remotos: Gronelândia e Marrocos.
O alfabeto fonético é obrigatório. Começam pelo indicativo criado para o farol – Charlie Romeo 5 Lima (CR5L) – mas cada um tem a sua matrícula, um indicativo pessoal e intransmissível. “Geralmente não se conversa. Às vezes até trocamos mais informações técnicas, sobre que equipamento se está a usar. Isto é mais um jogo, de tentar aperfeiçoar a técnica para emitir”, explica Claro, de 48 anos. Na bagagem de 20 anos de radioamador tem uma emissão para a estação russa MIR. “Não é estar aqui e aparecer um astronauta, é planeado. É preciso esperar pela aproximação do satélite e emitir em frequências específicas, UHF ou VHF. Temos colegas que têm falado para a estação internacional. Com as condições certas, até dá com um walkie-talkie.”
Em desafios como o ILLW coleccionam emissões para lugares onde geralmente não há ninguém, daí o empenho em ir rodando de farol todos os anos. O troféu chega na forma de um postal por cada emissão, explica Araújo, 47 anos, radioamador desde 1986. Em casa já guarda mais de 300 e tem um mapa com todos os destinos assinalados com alfinetes. Num universo de 6000 radioamadores portugueses – dos quais mil serão “praticantes” – cada um acaba por ter a sua onda, adianta. Uns vão ao detalhe de coleccionar estados, outros só emitem em morse. Outros ainda, mais velhos, usam o rádio como telefone. “Há dez anos era comum apanharmos alguém em Angola ou Brasil que nos dava um número para ligarmos a um familiar a dizer que estava tudo bem. O fascínio é podermos continuar a comunicar com tecnologia que já existia há 100 anos.”
Mais do que um aumento de radioamadores, a vontade de desafio poderá explicar a adesão ao ILLW. “Isto acaba por ser um bocado rotineiro, por isso gostamos destas novas iniciativas, de vir para faróis e ilhas desertas em vez de ficar em casa a emitir”, brinca Paulo Teixeira, jornalista de 47 anos. Em 2008 estiveram nas ilhas selvagens e há 15 dias rumaram às Berlengas para outro evento do género, a competição Islands on the Air. Teixeira é dos três o mais viciado, ou afincado. Todos os dias, pelas 7h30, liga o rádio e fica por lá à escuta meia hora enquanto bebe o café. É o jogging? “É o meu jogging”, ri.